Ouça Esse CD: Once Again - John Legend (por Kildery Rafael)
Numa realidade em que o músico deve ter o talento e a sutileza de transitar entre um gênero mais restrito e o mais popular, fazendo perceptíveis as influências neste e sem perder seus atributos louváveis perfeitamente vistos naquele, John Legend consegue estar entre os melhores da atualidade.
Com o seu álbum de 2008, Evolver, John Legend emplacou as paradas com o sucesso “Green light”, com a participação de Andre 3000 – aquele do Hey Ya!. Música de grande apelo comercial pelo que tocava nas rádios e que ganhou diversas versões nas mãos dos DJ’s mais aclamados da cena eletrônica. Na verdade o disco inteiro tem uma pegada mais comercial aproximando-se das influências pop e da black music contemporânea de massa (o álbum ainda conta com a participação de Estelle, Kenye West e Brady), afastando-se de um dos melhores discos do ano de 2006: Once Again.
Tabulado como artista de R&B, o músico, cantor e compositor não deixa a desejar em nenhum aspecto do que se procura em um artista do ramo musical, o que pode ser visto em plenitude no trabalho em comento.
Once Again é o álbum que traz a música que tornou John Legend conhecido pela maioria dos brasileiros, por fazer parte da trilha sonora da novela Paraíso Tropical da Rede Globo: “P.D.A.” também chamada de “We just don’t care”.
O álbum começa com “Save room”, primeira música que destaco. A letra é um exemplo de música que fala sobre sexo sem vulgarizar, o que é difícil de ver hoje, por ser o que a mídia quer, por ser o que o público gosta. Aqui há sutileza. Se o camarada que a escuta sem entender inglês ou sem a curiosidade de ler a tradução, passa como uma música que fala sobre qualquer outra coisa, menos sexo. Além disso, a melodia o leva a pensar dessa forma, pois não há excessos ou batidas frenéticas e, evidentemente, não há mulheres rebolando no clipe, como axioma que é no ocidente: música vulgar deve ter mulher em trajes sumários rebolando.
Ora, não é errado falar sobre sexo propriamente dito ou assuntos conexos, desde que não corra para os braços da vulgaridade. Um exemplo que sempre dou quando falo sobre isso é um trecho da música “Querida” do incriticável Tom Jobim. Na ultima estrofe podemos ler “Você tão linda nesse vestido / Você provoca minha libido / Chega mais perto meu amor bandido / Bandida, fingido, fingida, querido, querida”. E apesar de ser em português bem dito, não agride, não desencoraja a audição. Acaba por cair naquela ideia de que não importa o que se fala, mas a maneira. Falei isso porque penso que, se caberia alguma crítica negativa à faixa, seria para atacar a letra, mas nem isso posso atacar, por reputar como uma das melhores do álbum.
A mistura de elementos encontrada em “Heaven” a torna uma música de destaque, pois ali há a tímida guitarra, o piano, o teclado fazendo o papel do baixo e uma batida programada. É uma experimentação que deu certo apesar de não me agradar muito.
“Show me” é a música que mais me agrada do álbum. Ela possui um clima soturno desde o início. A guitarra, sem distorções, é onipresente em toda a extensão da música com destaque. É o tipo de música que você escuta diversas vezes sem cansar. Não possui grandes solos, mas não fazem falta; não possui letra complexa, mas é uma boa letra e sem grandes repetições e, por fim, falar do trabalho vocal de John Legend é chover no molhado.
Poucas músicas que permeiam toda sua dimensão apenas na base do piano me prendem, tanto é que no momento não me vem à cabeça uma sequer. Em “Again” há um trabalho conjunto entre o piano o baixo acústico e a guitarra. E se você quer saber, eu assistiria um show inteiro assim. A música se apresenta como algo que fugiu do obvio.
A constante transição do músico, inclusive num mesmo álbum, como também faz no trabalho de 2005 “Get Lifted”, apresenta um artista que sabe o que faz e o faz com maestria. Os gêneros se misturam, mas não de uma maneira prosaica e sim com uma oxigenação, sempre há algo diferente, sempre há um cuidado a mais que se nota. Por essas e outras que o trabalho se destaca.
