Lendas da Música: ABBA (por Abner Andrade)
A década de 70 foi marcada por uma revolução cultural intensa (já preconizada nas décadas anteriores). O mundo testemunhou fatos como a intensificação de diversos movimentos sociais, o início de conflitos bélicos, o crescimento exponencial da tecnologia, a descontrução de diversos valores tidos como tradicionais, dentre outros. No que diz respeito ao contexto musical (que é o que nos interessa aqui), foi o que muitos considerariam a época de ouro devido à popularização de bandas e artistas que vieram a ser base para o surgimento (ou transformação) de estilos musicais e referência para as novas gerações de músicos, como Led Zeppelin, Kiss, Van Halen, Black Sabbath, Judas Priest, Rush, Ramones, Deep Purple, enfim, a lista é de fato imensa, sendo interessante notar que a música durante esse período foi intensamente influenciada pelos fatos supracitados. Era o mundo recém-saído de Woodstock, com uma cabeça cheia de idéias e cabelo, porém sem muitos neurônios.
![ABBA - Aeroplane](https://static.wixstatic.com/media/324c27_7dd1152b29a14a6c9bcabb3e2e3976b5.jpg/v1/fill/w_620,h_400,al_c,q_80,enc_avif,quality_auto/324c27_7dd1152b29a14a6c9bcabb3e2e3976b5.jpg)
Nesse panorama bastante promissor é que nasce a música Disco, como uma reação ao rock em ascenção na época. Creio que o cenário pode ser imaginado por qualquer pessoa: um clube noturno sob a luz de holofotes, uma bola espelhada no alto, pessoas dançando em trajes brilhantes; pode-se apelar para a figura de John Travolta no filme Grease de 78. E foi nas ilhas de Estocolmo, capital sueca, que surgiu talvez o maior representante do estilo e o mais conhecido até hoje, o grupo ABBA (ou AᗺBA). O nome é um acrônimo dos nomes dos integrantes: Agnetha Fältskog, Björn Ulvaeus, Benny Andersson e Anni-Frid “Frida” Lyngstad. O grupo era formado por dois casais (casados), o que torna o fato de terem durado por 10 anos um prodígio (imagine como seria não poder compartilhar os problemas do trabalho com um cônjuge imparcial no fim do dia).
O grupo explodiu e vendeu centenas de milhões de cópias graças a singles marcantes que perduram na memória e especialmente nos ouvidos de muitos até os dias atuais, como Fernando, The Winner Takes It All, I Have A Dream, etc. É sabido que o grupo geralmente adotava uma prática quando em processo de composição que, aparentemente, foi esquecida por vários artistas do cenário musical atual, tendo em vista os resultados obtidos: os integrantes do ABBA geralmente empregavam seus esforços em tempo integral em uma única música até que estivessem satisfeitos com o resultado, sendo capazes de passar dias ou mesmo semanas reclusos. Se tal prática fosse observada pela maioria dos artistas atuais, não nos depararíamos tanto com o que eu chamo de “música de privada”: se não composta, literalmente, no ato, poderia ser no espaço de tempo de uma defecada.
A fórmula, sem dúvida, funcionou. As melodias sempre foram bem produzidas, bastante preenchidas e complexas. O dueto dos A's era dotado de vozes extremamente compatíveis e complementares, como dito pelo produtor musical e engenheiro de áudio Michael B. Tretow, que esteve com a banda durante toda a sua trajetória, inclusive em trabalhos das respectivas carreiras solo dos integrantes. De fato a complexidade dos vocais é uma característica marcante dos músicas do ABBA, e quando em conjunto com harmonias e melodias extremamente eficientes e marcantes, tem-se um resultado excelente.
Uma de suas músicas mais famosas, Dancing Queen, foi lançada em 1976, sendo sucesso absoluto mundo afora. Foi o terceiro de três primeiros lugares conquistados pelo ABBA no Reino Unido, seguindo Fernando e Mamma Mia. Diz-se que, durante as sessões de gravação da música, Benny levou pra casa uma fita com a faixa de apoio e mostrou a Frida, que começou a chorar ao ouvir. Este foi um dos poderes do ABBA: compor músicas que vão direto ao coração das pessoas.
O grupo nunca se desfez oficialmente, porém fizeram sua última performance em Dezembro de 1982. Os casais se separaram e cada um segue sua carreira solo, porém Björn e Benny costumam ainda fazer trabalhos em conjunto, bem como apresentações ao vivo. Hoje, do grupo inteiro, só nos resta o belíssimo material produzido e o sentimento de trabalho inacabado, sempre prestes a ser retomado, típico dos empreendimentos que acabam por nenhum motivo aparente. Creio ser um paradoxo do universo da música enquanto profissão: o que ela mesmo exige acaba por fazer desvanecer, aos poucos, a si mesma.