Ouça Esse CD: Dá Licença (por Esdras Andrade e Abner Andrade)
- Esdras Andrade, Abner Andrade
- Oct 28, 2014
- 4 min read

Introdução
Esdras:
“Dá licença, meu povo, dá licença, amigo meu, pra que eu cante o meu repente, fale do amor de Deus...”. “Eita, viver sem Jesus, é tão ruim...”. “Rapo o dedo na viola e canto louvores ao meu Deus...”. Como esses versos fizeram da minha infância!!! Estou falando do melhor disco de uma desconhecida banda de forró do interior de Pernambuco: Sal da Terra é oriunda de Garanhuns, minha terra natal, e está na estrada há mais de 20 anos.
Os primeiros contatos que tive com este excelente grupo nordestino se deram pelos fins dos anos 90, quando eles lançaram o disco Dá Licença. Na época me lembro de escutar esse CD arretado em um Som Microsystem no Mato Grosso (onde morei vários anos) junto do meu irmão, Abner, ainda pequenos.
Talvez o valor afetivo deste trabalho musical tornem suspeitos os meus comentários técnicos, mas o fato é que Dá Licença está entre as melhores coisas que já escutei e, no que tange aos ritmos nordestinos, é a melhor. São tantas coisas a destacar: a voz inconfundível de Marcos, seu vocalista principal, as violas e guitarras matadoras de Marcos Cabral, as zabumbas, triângulos, flautas de pífano, etc. Enfim, chega a doer saber que este belíssimo trabalho é tão pouco conhecido, especialmente diante dos rumos tenebrosos que o “forró” tem tomado nos nossos dias. Por isso indico que ouçam esse CD e passem pra frente, porque é bom que só a mulesta!!! Vão aí algumas indicações de músicas dele.
Abner:
Conheço a banda Sal da Terra desde que eu me entendo por gente. A banda foi inovadora ao unir (com sucesso) a música cristã à boa música genuinamente nordestina (não esta porcaria que ouvimos provinda das malas de carros nas ruas). Por influência parental, tenho ouvido o som do grupo há bastante tempo, em especial o álbum Dá Licença. O álbum é muito interessante, principalmente por ser melodicamente baseado quase que unicamente no violão, sem a presença da sanfona, talvez o instrumento mais característico do estilo. O ritmo e andamento, no geral, ficam por conta da percussão clássica do forró pé-de-serra: zabumba, triângulo e agogô. Segue uma breve análise de algumas das faixas do referido álbum.
Faixa 1 – Dá Licença
Esdras:
A faixa inicial deste CD dá nome ao disco. Trata-se de um repente (música estruturada em estrofes de 4 versos, com rimas entre o 1º e 3º e entre o 2º e 4º versos) tipicamente nordestino. O início tem um riff muito bem construído de viola, seguido de uma ótima intervenção da flauta.
Abner:
A faixa introduz o álbum com um violão matador. Ao entrar a percussão, o ouvinte nota claramente do que se trata o álbum: um pé-de-serra muito bem feito. A faixa é simples, com linhas instrumentais no início e no fim e o “repente” entre uma e outra. Faz jus em levar o título homônimo do álbum.
Faixa 3 – De Sandália ou de Alpercata
Esdras:
Essa música é um hino do protestantismo nordestino! Destaco aqui as repetições feitas pelas violas, simulando a melodia das vozes. Muito boa!
Abner:
Creio ser a faixa mais “raiz” do álbum. É praticamente um hino, conhecido por quase todo nordestino cristão que se preze. O vocal apresenta um dueto de repetição interessante, que se transforma numa segunda voz no refrão da música. Talvez seja a música que melhor resume a que a banda se propõe e a forma como faz.
Faixa 5 – Alerta Geral
Esdras:
A quinta faixa de Dá Licença é um baião construído em E7, com ótimas intervenções da viola intercalando os versos. Destaque também para as vozes, rigidamente divididas, lembrando muito as toadas. Ao final um solo de flauta muito bem cadenciado coma estrutura geral da música. Enfim, uma bela música.
Abner:
É um baião lento e simples com uma linha de flauta bem feita. Note-se os harmônicos do violão utilizados em alguns momentos de breque da música. Além disso, destaque para os dedilhados que embelezam e preenchem a música.
Faixa 7 – Toada
Esdras:
Nesta faixa Sal da Terra volta às mais profundas origens da música nordestina. Logo no começo temos uma toada, gênero musical derivado do aboio, ou seja, do ato de, com a voz, indicar o caminho a ser traçado pela boiada do sertão. Acontece que, ao contrário do que se percebe na maioria das toadas que se ouve nas rádios, esta está muito bem afinada e bem construída melodicamente. No fim, um solo de guitarra para provar que todos os gêneros podem se comunicar sem perder a essência.
Abner:
A faixa começa com o badalar de chocalhos e inclusive um mugido bovino, introduzindo a temática do sertanejo que trabalha com a pecuária. Logo depois o violão conclama o restante dos instrumentos para um xote num ritmo animado. Até mesmo uma guitarra distorcida aparece no meio da música, enriquecendo-a.
Faixa 8 – Rapo o Dedo na Viola
Esdras:
Esta música, meus caros, é boa demais. Me parece ser uma espécie de xaxado com fortes aparatos rítmicos. Até hoje tento descobrir o tom no qual foi composta, mas o fato é que se trata de um tom menor, no qual foi dada ampla liberdade para a viola deitar e rolar. Ela traz riffs matadores entre as estrofes e, durante elas, emprega uma pegada que me lembra muito o flamenco espanhol, muito embora o timbre do instrumento e a percussividade da execução deem um clima bastante sertanejo.
Abner:
A impressão que tenho é que a faixa anterior chama a esta, como num desejo de manter o andamento animado. O violão se mostra incrível aqui, incorporando inclusive algumas pegadas que lembram a música latina, num belíssimo tom menor.
Faixa 9 – Medley: Quem Fez? / Preciso de Jesus
Esdras:
A última faixa desde disco sensacional acalma as coisas e traz uma melodia serena para finalizar os trabalhos. Duas violas fazem a base para Marcos cantar duas belas canções. Para arrematar, Marcos Cabral faz um solo extremamente difícil e incrivelmente harmônico já no fim da música. É o ponto alto do CD. De um grande CD.
Abner:
Na minha humilde opinião, é a música mais rica do álbum. Num ritmo lento comandado por um dueto violonístico, alguns efeitos sonoros são acrescentados, acompanhando a letra da música. Uma bela melodia que culmina num solo de guitarra arrebatador, digníssimo de ser apreciado (e mais de uma vez).
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