Lendas da Música: Bohemian Rhapsody - Queen (por Kildery Rafael)
Olá, meu nome é Rafael e “I need no sympathy”.
É comum ouvirmos grandes músicas de outrora e se admirar com o preciosismo empregado e por ter noção da falta da tecnologia que dispomos hoje. Muitas vezes elas nos chegam na forma de algo surpreendente. A música “fala” algo que você precisava ouvir e não sabia, não só com sua letra, não só com sua melodia, mas com todo o conjunto da obra.
Saber como a música foi produzida, saber o momento musical em que passava o artista, o que tocava nas rádios da época, qual gênero mais vendia, tudo isso enriquece a apreciação da obra. É como degustar cerveja: você se empenha em aprender sobre a fábrica, a composição do líquido, a fermentação, o tipo, cor, aroma, teor alcoólico, a história, nacionalidade, o melhor copo para se beber determinado tipo, a aceitação do mercado, o nicho a quem é dirigida... Tudo isso para beber um copo, sentir os sabores, avaliar o amargor, a doçura, a presença do malte, a densidade e, no final da experiência, se sentir satisfeito de ter bebido pouco, mas ter bebido muito bem. E essa experiência é válida.
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Cena icônica do videoclipe de Bohemian Rhapsody, mundialmente conhecida.
Bohemian Rhapsody é música para ser degustada. E degustada com a mesma intensidade que sua completude pede, assim como uma boa cerveja. A música foi idealizada no final dos anos 60 por Freddie Mercury e gravada em 1975. Possui segmento de balada, opera e rock. Apesar de ter uma explicação numa edição Iraniana, basicamente uma interpretação bem literal, sua letra não possui uma interpretação oficial dada pelo próprio Freddie, mas a maior parte das pessoas a vê como a história de um garoto (Freddie Mercury, talvez) que enfrenta seus traumas e no final sai vitorioso. O próprio compositor se recusava explicar o real significado, dizia que cada um deveria ouvi-la, refletir sobre e interpretar à sua maneira.
Segundo costumam dizer, a música já veio pronta na cabeça do autor. E a coisa era tão insana que na época foi necessário o uso de seis estúdios diferentes e três semanas. Hoje, pra se ter ideia, em um dia com um computador e um teclado, tem gente fazendo sucesso que toca nas rádios por dias, mas os tempos vividos são outros e não me compete, nesse momento, adentrar na discussão da qualidade. Penso que isso apenas reflete a pobreza cultural que enfrentamos hodiernamente.
A preocupação com os detalhes vai desde a entonação do vocal, meio tom abaixo da tonalidade comum de Freddie Mercury, para que a música soasse mais densa, até os inúmeros vocais gravados, repetidamente, para sobreporem-se na sessão de ópera. Mario David, que baseado em fatos verídicos contados pelo próprio Roy Thomas Backer[1], escreveu em primeira pessoa, como se fosse o próprio Roy Thomas, sobre a gravação:
“(...) Na época, a maior quantidade de canais que uma mesa de som tinha era 24. Então não satisfeito em encher 24 pistas com vocais, Freddie continuava a gravar outros takes por cima das fitas (overdubs), até chegar no som que tinha dentro da cabeça. Foram mais de 180 overdubs e oito lotes de fitas, que seriam suficientes pra gravar dois álbuns inteiros. Ele inclusive queria gravar mais faixas de vocais, mas o fim da festa veio por parte das próprias fitas: de tanto gravar e regravá-las, as coitadas começaram a afinar e ficar transparentes. Com medo de perder tudo, Freddie deu sinal verde para continuarmos. Todas essas fitas tiveram de ser recortadas com gilete e precisamente coladas com fita adesiva, para que os vocais gravados nas infinitas unidades diferentes ficassem perfeitamente alinhados. Como os pedaços da música foram gravados em seis estúdios diferentes, eles utilizaram uma fita com a gravação da bateria do Roger Taylor pra se guiar, como um metrônomo.”[2]
Apesar de, depois de pronta, ter sido desacreditada por vários executivos da gravadora, por se tratar de uma inovação e ser relativamente longa, ao ser lançada foi logo recepcionada pelo público de maneira positiva, subindo ao topo das paradas de sucesso em 1975/76 e depois da morte de Freddie Mercury, em 91.
Sem sombra de dúvidas Bohemian Rhapsody é o tipo de música que não vemos hoje em dia e que merece todo o reconhecimento que obteve até então. A banda que fora duramente criticada no início de sua carreira justamente por se mostrar inovadora em vários aspectos, hoje está elencada entre as maiores bandas de todos os tempos pela mídia especializada, e Bohemian Rhapsody é apenas uma pequena parte do trabalho primoroso que Freddie Mercury, Brian May, John Deacon e Roger Taylor desempenharam nos anos de estrada da banda.
Hoje, quase 40 anos do lançamento do single, fico tentando imaginar qual a sensação na época em que tínhamos - por ideologia vigente, logística ou falta de aparato tecnológico - poucas referências do que se passava no mundo, ao reservar um tempo de sua noite, tirar o LP da capa, coloca-lo no toca-discos, sentar confortavelmente no sofá e ouvir algo totalmente diferente do que se ouvia naquele momento. Esse ritual de parar absolutamente tudo para ouvir um LP me encanta. Aposto numa sensação de descoberta, de reafirmação de que a Música é “celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição”.
Saiba mais:
Playlist com os vídeos do The Story of Bohemian Rhapsody:
Episódio do Radiofobia Classics sobre Queen:
Episódio do Café Brasil sobre Bohemian Rhapsody, podcast que conta detalhes de Bohemiam Rhapsody, inclusive mostrando trechos isolados dos instrumentos individualmente:
[1] É um dos mais conceituados produtores musicais do Reino Unido. Em sua carreira já trabalhou com Rolling Stone, Frank Zappa, Santana, David Bowie, Yes e Ozzy. É mole?
[2] Link do texto completo: <http://movethatjukebox.com/por-dentro-da-producao-impossivel-de-bohemian-rhapsody-queen/>.